segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Turismo afetivo IV - "A memória cinematográfica"

Por José Vanilson Julião

Na estadia em Cerro Corá, ao percorrer as ruas centrais – de norte a sul – pedi ao mano Valdir para fotografar prédios ou lugares da minha infância.

Como a Maternidade Clotilde Santina, o Estádio Othon Osório, o Ginásio de Esportes José Julião Neto e o “motor da luz”. Os quais serão alvos de futuro artigo nesta série.

Mas agora, vou falar mesmo é sobre o Cine Canário, justamente a edificação que esqueci de mandar registrar em fotografia. Apesar da fachada continuar a mesma da segunda metade dos anos 60.

Não é a primeira vez que o cinema é alvo de escrita de minha autoria. Entre 2011 e 2012 fiz um artigo publicado em extinto jornal mensal alternativo. Um dos assuntos era a arrecadação da grana para o bilhete da entrada.

“A Esperança” tinha como público alvo moradores do bairro da Cidade da Esperança (Zona Oeste de Natal). No site “Jornal da Zona Sul”, também da capital, Valdir também discorre sobre o cine. Assim como no “Cerro Corá News”.

Quando são citadas peripécias dos “furtos” de fotogramas das películas. “Repassadas” em “máquinas” de caixa de sapato. Com lentes improvisadas dos antigos monóculos de fotos coloridas. Ou lâmpadas GE (General Eletric).

O propósito dos seis primeiros parágrafos foi introduzir o leitor na história do cinema administrado pelo treinador de futebol, tocador de sanfona, dono de armarinho e Papai Noel Sebastião Canário de Brito.

Ele era o exibidor das fitas de Hollywood e das chanchadas brasileiras. Dos seriados “Flash Gordon” e “Jim das Selvas”. Dos faroestes e dos épicos, como “Os Dez Mandamentos”, exibido na Semana Santa.

Ao passar em frente não teve como não lembrar das músicas transmitidas pelo éter. Nos intervalos das chamadas da fita a ser exibida no dia. Pela boca de ferro. Com o próprio exibidor ao microfone.

Na quarta-feira a noite. Ou na tarde dominical. Ecoava as vozes dos cantores da “Jovem Guarda”. Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Jerry Adriany e Wanderley Cardoso. Wanderleia, Martinha e Rosemary.

Dois eram figurinhas carimbadas e escolhidos a dedo. Ronnie Von, com o sucesso “A Praça”, e Sílvio Cesar, com o “hit” “Férias na índia”, lançado em 1969, e também “rodado” no toca-discos do GPK.

Sebastião primeiro exibia os celuloides no “clube velho” e somente depois passou para o “clube novo”, onde passou a funcionar, a partir de agosto de 1967, o Grêmio Presidente Kennedy, o famoso GPK, citado em artigo anterior.

A tradição familiar repassada para os conterrâneos indica que Sebastião contou com o apoio dos irmãos residentes em Natal para construir o prédio do “Cine Canário”.

Severino e Geremias, este, como Sebastião, nomes de ruas na cidade. O primeiro gerente e homem de confiança de Cyro Cavalcante, firma de representação de autopeças, localizada no bairro da Ribeira.

Geremias, que eu pensava ser com “jota”, foi chefe de oficinas na Base Aérea de Parnamirim, ainda distrito da capital, convidado por um norte-americano, como afirmou o sobrinho João Maria Canário (filho de Severino).

Sebastião era registrado com firma antes da finalização do prédio quase ao lado do Clube de Mães Santa Zita (antes era a casa do tabelião Antônio Pinheiro, pai de Sérgio – o mais velho – e Antomar, com quem brincava com os soldados do chocolate “Toddy”).

É o que atesta o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), com razão social em nome de Sebastião Canário de Brito, com data de 12 de setembro de 1966.

A empresa individual é desativada voluntariamente em 16 de agosto de 1993. Portanto 23 anos antes do falecimento de Sebastião, ocorrido em 27 de julho de 2016.

Portanto os dados indicam e provam, pela primeira vez na imprensa cerro-coraense, o atestado de nascimento, informal ou não, do embrionário “Cine Canário”, ainda sem a sede definitiva.

O cine não faz lembrar somente o conteúdo das latas de zinco. Os rolos de filme. Na memória cinematográfica do articulista também consta a “bomboniere”.

Enquanto a filha ficava na bilheteria, e ‘Mimiu’, de Agenor, na portaria, Dona Maria, esposa de “Tião”, atendia a garotada antes da exibição e nos intervalos. Os bombons mais variados.

Na preferência do consumidor: a pastilha “Garoto”. Ou “Valda”. O pirulito “Zorro”. O chocolate “Sonho de Valsa”. O chiclete “Adams”.

Perguntei o que funcionava agora no prédio. Ainda com o nome “Cine Canário”. Valdir disse que sedia uma repartição pública de atendimento social. Nem lembro o nome...

 

 


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