sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Turismo afetivo II - "O licor verde batizado"

Refúgio de Carlos Canário na Serra de Santana pelas lentes de seu próprio celular


Por José Vanilson Julião

No primeiro dia das duas semanas em Cerro Corá, com a imensa bagagem despejada no antigo armazém dos meus avós maternos, Valdir logo se desloca para conversar com os amigos. Sou obrigado a acompanhar.

O técnico em geologia aposentado Túlio Libânio de Melo, filho do falecido protético e ex-vereador Lourival Libânio de Melo e da costureira dona Ana, dá a dica.

Aceita imediatamente. Subir a serra de Santana para conhecer a nova casa “de veraneio” de Carlos Alberto Canário.

Muita bem distribuída em seus cômodos com amplo terreno para árvores frutíferas (manga e caju se dão muito bem no terreno plano e arenoso).

Inclusive a residência é ladeada com alpendres espaços para as redes de dormir (visitantes que mandam). “Carlinhos de Babaia” e de “Quinca Canário” havia me convidado para conhecer o refúgio.

Túlio é quem assume o volante para deixar o mano a vontade para bebericar. No que concordo prontamente. Vai que aparece um guarda na descida da serra.

O quinteto é composto, ainda, por um assessor para assuntos aleatórios, etílicos e socorristas. Ailson, o “Gordinho”, filho de “Aloísio Marchante”.

Carlinhos e Túlio colocam uma batata quente nas mãos do redator: contar a história do Grêmio Presidente Kennedy. O clube social ficava onde hoje está em reforma a Câmara de Vereadores, cuja sede funcionava, até meados dos anos 80, em outro salão da Prefeitura.

Acabam contanto histórias hilárias e de reconhecimento pessoais envolvendo a agremiação recreativa e futebolística, na qual um dos protagonistas é um dos mentores do surgimento da entidade social e esportiva, meu pai, José Julião Neto.

O auge do clube se dá entre agosto de 1967 (ano da fundação) e 1972, pelo menos é o que alcança a memória seletiva.

Por esta época Carlinhos passa a residir definitivamente na terrinha, após perambular pelo Nordeste afora com a família. Pelas transferências do pai, o sargento do Exército Joaquim Canário.

A serviço do Batalhão de Engenharia de Combate e Construção. De João Pessoa, capital paraibana, a Picos, no ensolarado interior piauiense.

Conta, com orgulho mal disfarçado, que a garotada o achava péssimo no jogo de "pingue-pongue" (tênis de mesa"), e, por pura "maldade" e "desforra", amassava, com a botina, as inocentes bolinhas brancas.

O celuloide com diâmetro de 40 milímetros, peso 2,74 gramas, então exalava um cheiro característico. E viciante. Que dizem ser gás nitrogênio.

Nas oportunidades que surgia. Com o esférico saltitante no salão anexo ao dancing. Mal rebatido ao quicar na mesa de madeira pintada de verde com listas laterais e nos fundos em branco. Com a rede divisória na mesma cor do retângulo. Confundindo o míope da ocasião (eu).

Para o desespero do primo Rui Barbosa, filho de “Passarinho" (gerente do posto Shell do ex-prefeito José Walter Olímpio), um dos assíduos mesatenistas. Façanhas que lhe renderam dupla suspensão do presidente Zé Julião.

Túlio, por sua vez, lembra com carinho, nas férias escolares, com a grana curta, Zé Julião lhe franqueava a entrada nas festas dançantes - inclusive no carnaval.

Mas ele, do alto da dignidade e reconhecimento, propunha tomar conta do bar do clube um tempo determinado, e Itamar, filho de "Manoel Sapateiro" ou "Ventola", o outro período. E todos se divertiam a valer...

Seu Manoel depois se estabeleceu com restaurante na rua comercial, imediações da casa de jogos de Luiz Bezerra da Costa (pai do craque Luiz Júnior, o “Garrincha”). Papai até autorizou lá, nas férias escolares, o café da manhã.

Valdir beberica umas latinhas de cerveja. Peço uma Coca, mas Carlinhos me oferece um aperitivo sem álcool. Muito suspeito. Aceito pela consideração ao amigo.

Recipiente comprado na andança com a esposa Teresinha pelo interior pernambucano. O litro branco, com adesivo amarelo - não lembro nem as imagens - guarda um liquido esverdeado.

Na primeira lapada, bebericada aos poucos, de um copinho quase miniatura, digo: - Eu sabia... Tomo cinco doses. Completo com três copos de cerveja no retorno. Se arrependimento matasse...

No último contato Carlinhos disse que ia jogar fora a mistura - com hortelã e abacaxi - pelo excessivo tempo de maturação do restante do conteúdo (menos da metade).

Um comentário:

Anônimo disse...

Amei a publicação. Um registro minucioso, vale muito a pena ler.