quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Filha do poeta e violeiro "Zé Milanez" lembra os 25 anos de sua partida


José Milanez:
25 anos de silêncio e saudade


Geni Milanez

Hoje amanheci triste
Meu espírito indisposto
Cheguei à repartição
Era um clima de sol posto
Uma grande dor senti
Ao marcar o “ponto” vi
Vinte e cinco de agosto.

Então eu compreendi
A razão do meu pesar
Respirei fundo e ali
Comecei a trabalhar
Mas um calor dentro em mim
Angustiando-me, sim!
Começou a aflorar.

Como nas cenas de um filme
Pus-me então a relembrar
Aquele terrível dia
Em que tive de amargar
Um ato desnaturado
Meu pai ser assassinado
Pelas mãos de um “caparrar”.

Faz vinte e cinco anos
Mas dele eu não esqueço
Seu exemplo me anima
Por isso tem alto preço
E ainda que me pisem
Orgulho-me quando dizem
Que com ele me pareço.

Currais Novos, Currais Novos
O teu solo ainda geme
O sangue de Milanez
Na profundeza inda freme
Pra isso não tem limite
Sei que ninguém admite
Mas a tua seiva treme.

Justiça Divina invoco
Com toda força do ser
Do meu pai eu sinto falta
E não quero nem saber
Do patife néscio e pífio
Intolerante estrupício
Que o empatou de viver.

A cultura sertaneja
Sente falta, está silente
A poesia também!
Ficou órfã. Anda doente...
Vítima deste canastrão,
Sem Milanez o sertão
Ficou feio e diferente.

Sua viola querida
Continua bem guardada
Desde que ele se foi
Por ninguém mais foi tocada
Sentindo a barbaridade
Com tristeza, com saudade,
Vive assim, desafinada!

Os seus filhos e seus netos
Inda sentem a mesma dor
Daquele fatídico dia
Que foi de mágoa e horror
Que sofrimento atroz!
Porque calaram a voz
E a lira do cantador.

O cantador do sertão
Que alegrava sua gente
Com as suas poesias
Sua música, seu repente
Com seu estro sem labéu
Hoje canta lá no céu
Mas pra nós está presente.

Foi mais um sindicalista
Que pelo povo falava
Reivindicando direitos
Pela classe ele lutava
Com desvelo sem igual
Ao trabalhador rural
Sua vida dedicava.

Mas com isso muita gente
Sentia-se incomodada
Num país capitalista
Defender pobre é piada
E nisso todos apostam
Pois patrões disto não gostam
Acham que é palhaçada.

Por isso era mal visto
Pelos “barões” do lugar
Que queriam a todo custo
À liderança afastar
E como não conseguiram
No ódio assim persistiram
E fizeram-no então calar.

Só fazia o bem a todos
À frente do Sindicato
Sofreu constante ameaça
E tolerou desacato
Mas nunca perdeu a calma
Ao “entregar” sua alma
Não deixou de ser pacato.

Num comum desiderato
Unia os trabalhadores
Alguns se enfureciam
E tornavam-se agressores
Num destempero infindo
Caluniavam e mentindo
Causavam-lhe muitas dores.

Viviam todos de “olho”
Nas ações do sindicato
Temiam não sei o que
Ou era ódio de fato
Queriam privar o pobre
Não de ouro nem de cobre
Mas do Conhecer exato.

O seu programa de rádio
Era bastante ouvido
Conscientizando a todos
Do que era garantido
No Estatuto da Terra
Sua bandeira de guerra
Por isso era perseguido.

O medo era muito grande
Milanez não se calava
Na defesa dos seus pares
No Sindicato lutava
Com denodo e ações
E contrariando os patrões
Que a eles explorava.

Nunca entendi o porquê
De tanta perseguição
Depois que o assassinaram
Acabou-se a dissensão
O Sindicato ‘inda existe
Creio que nunca desiste
Mas ninguém presta atenção.

Desde então o Sindicato
Encontra-se bem mudado
Descaracterizou-se
Anda desvalorizado
E a ninguém mais assombra
Dizem que nem é a sombra
Do que já foi no passado.

Milanez antes da hora
Teve que embarcar no “porto”
Foram só catorze anos
Enfim livrou-se do Horto
Motivo do triste fato
O temido Sindicato
Dizem que parece morto.

Hoje, o tímido Sindicato
Por ninguém mais é lembrado
Parece que nem existe
Foi por “eles” olvidado
Parecendo um quiasma
Dizem que agora é fantasma
Do que era no passado.

A sanha do assassino
Hoje deve estar contida
Pois a voz de Milanez
Por ninguém mais foi ouvida
Com tamanha intrepidez
Defendia o camponês
A razão da sua vida.

Esse inimigo gratuito
Deve estar satisfeito
Pois quando ouvia a voz dele
Enchia-se de despeito
Em verborréia falaz
Tinha uma inveja voraz
E planejava dar jeito.

E deu! De modo cruel
Com o seu ato covarde
Quatro tiros ‘inda ecoam
Ainda fazem alarde
No peito de todos nós
Numa retumbância atroz
Com veemência ‘inda arde.

Mas, Deus o Grande Juiz,
Tomará a providência
Cabível para este insano
Não usará de clemência
Pois é o Deus da Justiça
De verdade, essa premissa
Não muda na sua essência.

Assim nós acreditamos
Vamos esperar pra ver
Justiça divina – sim!
Terá de acontecer
Isso faz parte da lavra
Não matar, diz a Palavra
Na qual a prendi a crer.

Tinha que morrer um dia
Este é o nosso destino
Porém não daquele jeito
Pelas mãos de um cretino
Que para matar foi lesto
É por isso que detesto
Esse pérfido assassino.

Temos que nos conformar
Visto que somos mortais
Com tudo o que aconteceu
Nós já sofremos demais
Mesmo sendo inconformada
Adianta fazer nada?
Milanez não volta mais.

Não volta, mas seu exemplo
Pra mim continua vivo
Perpetuar sua história
Estou dando o incentivo
Sem canseira, sem dilemas
Seus discursos e poemas
Guardo-os num belo arquivo.

Sensível, minha saudade
O tempo nunca soterra
Mas os conhecidos dizem,
Certeza de quem não erra,
Com um jeito meio altivo:
“Tu és o retrato vivo
Que teu pai deixou na terra”.

Com isso fico feliz
Sinto-me até orgulhosa
E estou falando sério
Pois eu não gosto de prosa
Não são palavras a esmo
Para mim isso é o mesmo
Que uma menção honrosa.

Por estar lendo meus versos
Eu agradeço a vocês
Desculpem minha franqueza
Por dizer com altivez
Ele tem as mãos manchadas
De certo modo encharcadas
Do sangue de Milanez.

Um dia vai responder
Pela terra que encharcou
Com as suas mãos ferinas
E o sangue que derramou
Sem ter quem segure as pontas
Ele vai ter que dar contas
Pela vida que tirou.

Só Deus tem esse direito
Pois da vida é o Senhor
Quem tira a vida do outro
Não passa de usurpador
Dado o Direito Divino
Perfeito e genuíno
Do sangue é devedor.

Eis aí caro leitor
Toda essa conseqüência
Que um ato insano geral
Que dura experiência
Tive que passar na vida
Nunca será esquecida
Toda essa vil procedência.

Mas dei a volta por cima
E não vou deixar morrer
A história do meu pai
Já estou a escrever
E o assassino que se dane
Não tenha de sofrer pane
Para não se esquecer.

A sentença desejada
Ninguém pode embargar
É fiel e verdadeira
Isso não podem negar
Se é esta minha sina
Pela Justiça Divina
Faço questão de esperar.

Essa é precisa e não falha
Chegará no tempo certo
Dói em quem tem de doer
E isso é muito correto
É o que pensamos nós
Creio que não sou a voz
Da que clama no deserto.

A justiça humana é falha
A de Deus é verdadeira
Chega na hora exata
E por isso é de primeira
A justiça humana erra
E em cima desta terra
Muitas vezes faz besteira.

Dado o meu sentimento
Com ênfase eu repito
Este meu jargão de fé
É nele que acredito
Pedindo Justiça a Deus
Juntamente com os meus
Daqui eu mando meu grito.

Grito com fé no Divino
Ele vai fazer Justiça
Neste gesto genuíno
Insisto, invisto na liça.

Manejo o fogo do ódio
Investindo no perdão
Lamento. Pois não consigo
A dor vem do coração
Não é fácil esquecer
Eu não posso pretender
Zerar essa condição.

3 comentários:

rodivan barros disse...

CONHECI O POETA ZÉ MILANEZ EM CERRO CORÁ CANTANDO AO LADO DE VIOLEIRO CARNEIRO, SEMPRE AOS DOMINGOS DIA DA FEIRA. AINDA GUARDO EM MINHA MEMÓRIA A FIGURA DO GRANDE VIOLEIRO. ABRAÇO À FAMÍLIA.

Geralda Efigênia disse...

obrigada Valdir pelo registro. Rodivan salvo engano é o irmão de Rovan conterraneo nosso com quem tive o privilegio de trabalhar no Instituto Padre Miguelinho. Obgada

José Valdir Julião disse...

Exatamente, nosso conterrâneo Rovan é um profissional de mão cheia na TV Universitária, para onde foi levado pelo irmão Rodivan de Oliveira Barros, que é um dos pioneiros da primeira televisão do Rio Grande do Norte...

Os dois e mais uma prole irmãos, filhos do saudoso Nico Barros...