Por intermédio do advogado Daniel da Silva Ferreira, o candidato a vereador José Adrimari de Araujo, "Adinho de Birico", interpôs recurso ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) contra decisão da juíza da 20ª Zona Eleitoral, Maria Nadja Bezerra Cavalcanti, que indeferiu o seu pedido de registro de candidatura à Câmara Municipal de Cerro Corá.
"Não há como sustentar-se a tese de que o crime contra a ordem tributária causa a inelegibilidade, visto que ele não se encontra no rol taxativo do art. 1º, I, e, da Lei nº 64/90 e tal regra não pode ser interpretada extensivamente, por restringir direito fundamental, devendo ser observado ainda que assim não quis olegislador que acontecesse", argumenta a defesa de "Adinho de Birico".
Segundo a defesa, primeiramente, há que se dizer que há um fato inconteste nos autos, de que o recorrente foi condenando por crime contra a ordem tributária, tendo cumprido a pena desde 21 de julho de 2016. A dúvida persiste quanto a questão do crime contra a ordem tributária fazer parte ou não do rol taxativo do art. 1º, I, e, da Lei Complementar nº 64/90:
“e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;
2. contra o patrimônio privado,o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
3. contra o meio ambiente e a saúde pública;
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
8. de redução à condição análoga à de escravo;
9. contra a vida e a dignidade sexual;
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.
Segundo a sentença de mérito, “o crime praticado pelo impugnado enquadra-se na hipótese da LC 135/10, art. 1º, I, e, 1”e “os crimes contra a ordem tributária estão inseridos no rol de crimes contra a economia popular”.
Mas note-se que não há um consenso nem nos próprios autos sobre isso. O parquet, em sua inicial, afirma tratar-se de crime contra o patrimônio público. Já na própria sentença, a doutrina citada de Pedro Roberto Decoman o categoriza como crime contra a administração pública, enquanto Rodrigo Lopez Zílio concorda com a Juíza, que seria crime contra a economia popular. Por sua vez, o aresto do TSE citado na decisão o conceitua entre crime contra o patrimônio público e crime contra a administração pública.
Apenas por esse fato já se percebe a importância do crime encontrar-se nominalmente previsto na norma que trata da inelegibilidade, pois assim estaria claro se havia intenção ou não do legislador de destacá-lo como causador de tal restrição ao direito de sufrágio do candidato.
Dois fatos, diferentemente do que discorre a sentença, são indicadores do contrário.
O primeiro diz respeito a existência de uma lei própria que trata dos crimes contra a economia popular (1.521/51), da mesma forma que existe uma lei própria sobre crimes contra a ordem tributária (8.137/90), sem que a segunda faça qualquer referência a primeira. O segundo ponto e ainda mais relevante, consiste no fato da Lei 135/90 ter introduzido importantes mudanças a alínea “e”do art. 1º, I, da Lei 64/90, inclusive introduzindo uma gama de novos crimes causadores de inelegibilidade, sem se referir aos crimes contra a ordem tributária, previsto em legislação própria desde 1990, como fez em relação a várias outras espécies, inclusive a economia popular.
Essa afirmação fere o raso argumento de que era impossível que o legislador previsse todos os crimes que causariam inelegibilidade. Foram previstos todos os que se queria prever, seja da legislação penal comum ou especial. Se os crimes contra a ordem tributária não estão naquele rol, foi com clara intenção que não causassem inelegibilidade.
É lição comezinha que normas que restrinjam direitos, especialmente fundamentais, como é o direito de sufrágio, devem ser interpretadas restritivamente. Resumindo e trazendo para ocaso concreto, se os crimes contra a ordem tributária não estão elencados no rol taxativo do art. 1º, I, e, da Lei nº 64/90, não poderá servir como causa de inelegibilidade.
No julgamento do RESPE 21231, o ministro Fux, do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, discorrendo sobre a divergência de decisões entre a Justiça Comum e a Justiça Eleitoral, afirmou que “o critério definidor a guiar o equacionamento da controvérsia é a interpretação que maximize o exercício da cidadania passiva”.
Antes disso, no mesmo aresto, citando doutrina dele próprio, assevera o Relator: “Sempre que se deparar com uma situação de potencial restrição ao ius honorium, como só ocorrer nas impugnações de registrode candidatura, o magistrado deve prestigiar a interpretação que potencialize a liberdade fundamental política de ser votado, e não o inverso (FUX, Luiz; FRAZÃO, CarlosEduardo. Novos paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 229).”
Sobre tal fato, ressalte-se ainda voto do Ministro Gilmar Mendes no AgR-RO nº 394-77/MS de que“as regras alusivas às causas de inelegibilidade são de legalidade estrita, sendo vedada a interpretação extensiva para alcançar situações não contempladas pela norma”.
Ainda a tal respeito, destaque-se decisão do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE PERNAMBUCO sobre o tema específico tratado nos presentes autos:“RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES SUPLEMENTARES 2013. PREFEITO. QUITAÇÃO. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. NÃO ELENCADO PELO ART. 1º, INC. I, "E" DA LC 64/90. CRIME DE DESACATO. MENOR POTENCIAL OFENSIVO. INCIDÊNCIA DO §4º DO ART. 1º DA LC 64/90. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. SANADA. PROVIMENTO. DEFERIMENTO DA CANDIDATURA.1. Os crimes contra ordem tributária não são alcançados por nenhuma das hipóteses previstas no art. 1º, I, "e", da LC 64/90. 2. A condenação por crime de menor potencial ofensivo não enseja inelegibilidade, nos termos do § 4º, do art.1º da LC 64/90.
No mesmo sentido, acórdão do nosso vizinho TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA PARAÍBA: “RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2012. CANDIATO A VICE PREFEITO. IMPUGNAÇÃO. PRETENSA INELEGIBILIDADE. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SENTENÇA. INDEFERIMENTO DO REGISTRO. IRRESIGNAÇÃO.TIPO DE CRIME NÃO ELENCADO PELA LEI DE INELEGIBILIDADE.PROVIMENTO.DEFERIMENTO DA CANDIDATURA. É de se deferir pedido de registro de candidatura quando não restou configurada inelegibilidade por delito contra a administração pública.”(RECURSO ELEITORAL n 3051, ACÓRDÃO n 1213 de 28/08/2012, Relator(aqwe) MIGUEL DE BRITTO LYRA FILHO,Publicação: PSESS -Publicado em Sessão)