Na penúltima edição da revista "Giro Seridó" comparei a saga do Cine Canário, entre os anos 60 e 80, quando encerrou sua atividade de exibição de filmes, chamado pela crítica de a “Sétima Arte”, à obra prima do italiano Giuseppe Tornatore – “Cinema Paradiso”, de 1988. Agora volto, mais uma vez, ao tema, homenageando o exibidor Sebastião Canário, que ainda vive entre nós, com mais de 80 anos.
Sebastião Canário tem uma vida rica, pelo pioneirismo em Cerro Corá, pois antes mesmo de exibir películas cinematográficas no prédio da rua Benvenuto Pereira, ele foi treinador de futebol da meninada num campo de areia improvisado da Praça Tomaz Pereira de Araújo, quando não havia nenhuma urbanização e apenas um busto no pedestal de T. Pereira.
Além disso, Sebastião Canário foi dono de armarinho e loja de miudeza e artefatos domésticos no prédio que pertenceu a seu pai, João Canário, onde é, hoje, o supermercado de Germário Bezerra. Na calçada do armarinho era comum seu “Basto” armar um circulo de várias casas de coelho, no centro, no Dia de Natal, o animal saia de dentro de uma caixa para entrar numa casa numerada, pelo qual se sorteava o bilhete premiado. Podia ser um brinquedo, um vasilhame doméstico, um jarro, qualquer coisa que servisse de presente para o garoto ansioso, que levava o seu prêmio para casa.
O Cine Canário era, como disse no artigo anterior, a principal opção de lazer da cidade, o que permitia, para muitos, conhecer a cultura de outros países. Indiretamente, o Cine Canário contribuiu para algumas peripécias de infância, pois as latas de zinco, circular, que “empacotavam” as “fitas de cinema”, vinham de distribuidoras de filmes que ficaram no Alecrim ou na Ribeira, uma delas situada na antiga Estação Rodoviária Djalma Maranhão, na praça Augusto Severo, em Natal. Por um certo período, o meu pai José Julião Neto, que passou a fazer o transporte de passageiros cerrocoraenses para Natal na falta de uma linha regular de ônibus, era quem trazia os malotes do Cine Canário.
As latas com os rolos de filmes chegavam na terça-feira, na Kombi (duas) de Zé Julião (hoje nome do ginásio poliesportivo de Cerro Corá), para as exibições da quarta e domingo, sendo devolvidas e trocadas na terça seguinte. Como moleques travessos e apaixonados por filmes, eu e meu irmão gêmeo, Vanilson Julião, que também é jornalista, perdemos quantas vezes e às escondidas do nosso pai, abrimos a lata depois de tirar as tiras de couros e fivelas que fechavam o conjunto, para tirar uma sequencia, de dez centímetros no máximo, e emendava com "durex", a mesma artimanha de Sebastião, quando a fita “torava” no meio da exibição do Cine Canário.
Depois de tantos anos, faço essa revelação, sem nunca ter sido pego “com a mão na massa” e nem Sebastião Canário ter sentido falta ou reclamado do pedaço de fita do filme. As películas serviam para nosso cinema, aquele da caixa de sapato, nossa “máquina” expositora. Era preciso um monóculo, aquele de fotografia colorida, ou uma lâmpada sem o miolo, cheia de água para servir como lente de aumento, que colocada por trás de um filete de luz do sol, que a gente aproveitava ao entrar por uma fresta de porta ou do telhado da casa da rua Monsenhor Paulo Herôncio de Melo, onde reside, atualmente, Joca Bezerra, para fazer nossa exibição particular. A parede branca ou um lençol branco, pendurado com pregos, servia de tela.
As películas mais procuradas eram as de Western, principalmente aquelas que tinham como protagonista John Wayne. Mas, outras, de aventuras de capa e espada também era “um achado de ouro” para os dois irmãos metidos a diretor de cinema, que não deixavam passar as fitas coloridas.
Além das películas cinematográficas, antes, usava-se as figurinhas de chiclete de bola com temas de musicas da Jovem Guarda, como os “Tremendões”, de Erasmo Carlos. Outro “exibidor” de figurinhas transparentes de chicles de bola é José Edinaldo Bezerra da Costa, o “Louro de dona Lilia”, que certa vez resolveu cobrar ingresso do “cinema” dele, no quarto dos rapazes da casa de Lourival Bezerra da Costa, seu pai.
Este, enfim, era nosso segundo Cinema Paradiso, que só passou a perder “ibope” com o advento da televisão, uma das primeiras a chegar, foi a de Lourival Bezerra. Depois, foi armada uma TV na praça Tomaz Pereira, depois de sua urbanização, foi colocada no local onde fica o quiosque do Iromar Querino.
(Valdir Julião, quarto artigo publicado na sétima edição da revista cerrocoraense "Giro Seridó")