Por Ionas Araújo*
Um dos pontos polêmicos da reforma política é quanto ao fim
das coligações proporcionais que deverá ter as discussões iniciadas pela Câmara
dos Deputados antes do recesso do final de ano.
O instrumento da coligação não é uma exclusividade apenas do
Brasil, sendo praticado também em outros países. Particularmente em nosso país, a experiência
com a implantação deste instrumento da coligação não foi das melhores, pois não
restringiu a finalidade para qual foi criada. Atualmente as coligações
proporcionais são as responsáveis maiores pelas deformações do sistema
proporcional em vigência.
Mesmo conscientes das distorções que as alianças acarretam,
vários parlamentares da atual legislatura, principalmente os que foram eleitos
por agremiações médias e pequenas, muitos dos quais beneficiados pela atual
sistemática eleitoral, defendem a manutenção pura e simples do mecanismo tal
qual ele é praticado.
Acredito que o assunto não tenha se esgotado entre os
partidos e parlamentares, a ponto de ser votado de imediato no plenário. Acredito
também, por estarmos a menos de dois anos para eleições de deputados federais, que
talvez os parlamentares, devido o período exíguo para adaptações partidárias em
função da ausência de alianças, fiquem com receio de alterar a regra eleitoral
antes do próximo pleito. Por tudo isso, são remotíssimas, as chances do
dispositivo ser expurgado agora do sistema eleitoral brasileiro.
Agora, havendo o fim das coligações proporcionais, ocorrerão
as seguintes mudanças na legislação eleitoral:
1- Somente partidos que ultrapassem o quociente eleitoral
ascendem ao legislativo, ao contrário do que acontece na sistemática atual, em
que partidos podem eleger representantes sem lograr atingir tal quociente. O
quociente eleitoral é uma significante variável das eleições proporcionais,
pois somente os partidos ou coligações que alcançarem votação suficiente para
ultrapassá-lo é que podem ascender ao legislativo. Daí por que também é
conhecido como cláusula de barreira.
2- Por conta de não
ultrapassar o quociente eleitoral, alguns partidos de pouca expressão numérica
tendem a desaparecer, pois sua principal moeda de troca, tempo de TV e o aluguel/legenda,
não terá mais valor no mercado eleitoral. Para sobreviverem, os partidos, nessa
situação, incluindo os que são ideológicos, serão compelidos a fundir-se,
diminuindo o número de siglas partidárias.
3- Puxadores de voto serão mais valorizados, dadas às dificuldades
de algumas siglas atingirem o quociente eleitoral. Os puxadores continuarão
sendo importantes para formação dos quocientes partidários de todas as siglas,
porém serão mais cruciais para as agremiações menores, que precisam superar a
barreira do quociente eleitoral.
4- O voto de legenda adquirirá de imediato, significado meramente
partidário, pois terá repercussão apenas na sigla à qual o voto for consignado.
No atual modelo o voto de legenda se perde no interior da aliança e pode servir
para eleger candidatos distintos do partido ao qual o voto foi concedido.
5- Também haverá uma maior identidade entre eleitor,
candidato e partido, já que o voto em João, do partido WZY, somente servirá
para eleger o próprio João ou candidatos de WZY, diferente de hoje, que se vota
em José e pode-se estar elegendo Mané, do partido CBA.
6- O número de candidatos ao legislativo tende a aumentar,
pois os partidos terão interesse eleitoral em usar o limite máximo permitido de
postulantes, isto é, cinquenta por cento a mais que as vagas. Hoje a coligação
só pode ter, no conjunto, o dobro de candidatos relativamente às vagas
legislativas.
7- Será restabelecida a essência do sistema proporcional de
representação legislativa em que os candidatos são eleitos em consonância com a
proporção de votos obtida pelos partidos, o que não acontece com o mecanismo
brasileiro de coligações onde prevalece a desproporcionalidade.
O fim das coligações proporcionais, ocorrendo, por si só não
significará a depuração do sistema eleitoral vigente, pois ainda restarão
algumas distorções, passíveis de correção simples (como a influência dos
puxadores de votos). Mas, sem dúvida,
terá se dado um grande passo na melhoria qualitativa do nosso sistema eleitoral,
a começar pela revigoração dos partidos.
*Ionas Araújo é
advogado, foi prefeito de Serra de São Bento e deputado estadual do Rio Grande
do Norte.