Dia desses vi o filme italiano de 1988, escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore, justamente numa época em que as “telonas” começavam a desaparecer dos cinemas pelo interior e até nas grandes cidades do Brasil por causa da TV e principalmente pelo surgimento do videocas-sete. Assim, também foi com o Cine Canário, inaugurado por volta de 1967/1968 em Cerro Corá pelos irmãos Canários, cujo prédio depois foi adquirido pela prefeitura, serviu para diversos órgãos, inclusive pra sede do Conselho Tutelar.
Recentemente, no dia 2 de julho durante o velório de nossa mãe, Tinoca Julião, em Natal, encontrei Severino Canário, com quem conversei sobre o Cine Canário. Ele lembrou que o irmão Sebastião Canário, já havia sido sanfoneiro, foi dono de armarinho e até técnico de futebol da garotada , entre outras coisas, e então com outro irmão, Geremias Canário, falecido em meados dos anos 60, juntaram-se e compraram um projetor de cinema e construíram o prédio que iria abrigar o cinema, na rua Benvenuto Pereira.
Sebastião Canário já “passava” filmes no antigo clube de Cerro Corá, na esquina das ruas Ben-venuto Pereira e Monsenhor Paulo Herôncio, vizinho à casa de Chico Soares. Além de Cerro Corá, Sebastião levava a sua máquina pra exibição de filmes, principalmente os faroestes épicos e dramas americanos e de aventuras de Tarzan, Jim das Selvas, etc, nos sábados em Lagoa Nova e também em Bodó, que não lembro se era na noite da segunda-feira.
O Cine Canário a partir da segunda metade dos anos 60 e nos anos 70/80, era o portão de entrada pro exterior da garotada daquela época, através dos filmes conhecia-se as grandes cidades europeias e americanas, seus costumes e hábitos, a cultura de países do Hemisfério Norte.
Particularmente, além de alguns livros e revistas como “O Cruzeiro”, “Fatos & Fotos”, “Man-chete” e “Revista do Esporte”, ou com as aulas no Grupo Escolar Querubina Silveira, era atra-vés do Cine Canário que ia se aprendendo alguma coisa. Por isso, quando meu pai Zé Julião não me dava “uns trocados” para pagar o ingresso no Cine Canário, escapava de casa para “mendigar” a grana da “entrada” no cinema com meu avô, José Julião Filho, ou seu “Dedé”, que tinha uma bodega quase em frente ao cinema de Sebastião Canário. Outras vezes, quando não conseguia nem de um e nem do outro, a salvação era Luiz Julião, o meu “Tio Lulu”, quantas vezes fui interromper o namoro dele, pra pedir dinheiro pro cinema. Nunca sai de mão vazia.
Mas, voltando ao Cine Paradiso, a obra prima do cinema italiano é, também, um retrato da Cerro Corá dos anos 60 e 70. O Cine Canário era ponto de encontro e de paqueras, ou flertes, assim se dizia na época, para os pré-adolescentes e adolescentes e as pessoas já maduras. Enquanto não se começava o filme, as matines das tardes de domingo ou na noite da quarta-feira, o alto falante convidava todo mundo pro filme ao som de hits da Jovem Guarda, a vitrola de Sebastião Canário não cansou de “rodar” o sucesso “A Praça”, imortalizado pro Ronnie Von e outros hits de Wanderley Cardoso, Jerry Adriany, Wanderléa e Roberto Carlos, principalmente.
Como no Cinema Paradiso, o Cine Canário tinha suas histórias hilárias e interessantes. No cinema do clube antigo, quem não tinha dinheiro pra pagar ingresso, tentava ver o filme pelas frestas das janelas ou da porta de entrada do clube. No novo Cine Canário isso era impossível, mas a criançada não arredava o pé, ficava em frente, aguardando a esposa de Sebastião Canário, abrir o portão, depois de 20 minutos ou meia hora de filme, para quem não podia pagar, entrar e ver o resto da “película”.
Outra analogia com o Cinema Paradiso, era a preservação dos bons costumes da época. Criança não podia ver cenas explícitas de amor. No filme italiano, uma freira importunava o exibidor para não passar as cenas de beijo, no Cine Canário, Sebastião colocava a mão na frente da lente do projetor, pra impedir que as crianças não vissem o beijo “caliente” dos amantes. Era uma gritaria contra a censura de Sebastião Canário: “Tire a mão, uhhhhh”.
Fora disso, apupos contra Sebastião Canário, somente quando a fita quebrava, ele parava tudo, pra emendar, era um pequeno intervalo pra uma boa conversa, um bate-papo ou início de uma paquera ou namoro. Ou então, interrompia a exibição, descia lá do “puleiro”, pra mandar alguém apagar o cigarro. Não podia, a fumaça atrapalhava quem queria assistir o filme. Bons tempos, que podiam ser resgatados com a transformação do antigo cinema num teatro e museu, que faltam à cidade
(Valdir Julião, terceiro artigo publicado na "Giro Seridó, que circulou no 12º Festival de Inverno, em Cerro Corá/RN).
(Valdir Julião, terceiro artigo publicado na "Giro Seridó, que circulou no 12º Festival de Inverno, em Cerro Corá/RN).
2 comentários:
Valdir, o CINE CANÁRIO é um grande registro escrito por você, na revista GIRO SERIDÓ, que retrata uma época não somente do cinema de Cerro Corá, que você retratou com riqueza de detalhes, através inclusive de sua vivência.
Ainda curiosamente, você relatou minúcias, descreveu comportamento e situações ocorridas no cinema, que coincidentemente também vivenciei no CINE VENEZA, CIE JARDIM E O CINE ELDORADO de Garanhuns.
Finalizo parabenizando este jornalista que ao escrever não perdeu a capacidade de surpreender.
Obrigado pela gentileza, tento resgatar um pouco da história e do material humano de Cerro Corá. Grato, mais uma vez, pela leitura atenta!
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