terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A tragédia do açude Eloy de Souza, na visão do cordelista "Zé Saldanha"

O trágico acidente de Cerro Corá
sete mortes no açude



Peço uma força potente
Ao nosso pai Jeová
Pra tratar do acidente
Que deu-se em Cerro Corá
Um trágico acontecimento
A dor, o pranto e o lamento
Que vi no povo de lá...

Domingo, cinco de maio
A primeira hora da tarde,
Se ouvia uma voz tristonha
Alarmante na cidade,
De alguém gritando: - Me ajude
Que um carro no açude.
Caiu em profundidade

Identificou-se logo
Que foi Manoel Mororó;
Este velho amigo
Conhecido no Seridó,
Todo o pessoal sentia
Em cada face se via
Um pranto de fazer dó...

Correu todo pessoal
Nesta hora amargurada;
Lá no mercado e na feira
De gente não ficou nada,
Nesta hora de agonia
Ficou a mercadoria
E toda a banca abandonada

A fim de salvarem alguém
Muitos homens mergulharam;
O motorista e mais quatro
Com vida ainda salvaram,
Cinco foram defendidos,
E sete, submergidos...
Na água se acabaram

Foi o trágico mais sangrento
Que vi ligeiramente;
Um festim de batizado
O pessoal tão contente
Naquela festividade
E a mão da fatalidade
Esperando tragicamente...

Manoel Mororó, amigo,
Antigo comerciante;
Nesta vida sofredora
Do ramo de ambulante...
Mas possuiu uma Rural
Que transporta o pessoal
Do movimento feirante

Esse pessoal contente
Da festa dos batizados,
Foram chamar Mororó
Para levar os convidados,
Parentes, amigos e vizinhos
Compadre, pai e padrinhos
Madrinhas e afilhados

O carro se destinava
Para o sítio Baraúna,
Com os recém batizados
Todos com muita fortuna,
Trazer a tranqüilidade
E na saída da cidade
Tornou-se a vez oportuna...

O açude cheio de buracos
Em cima do paredão,
O carro danificou
A barra de direção,
Jogou-se por sobre as águas
E dali nasceu as mágoas
Da triste lamentação...

Porém no momento trágico
O povo compareceu,
A polícia com rapidez
Ligeiramente atenderam,
Um grupo de mergulhadores
Destemidos e defensores
Cinco vidas defenderam...

Os vivos  com muita urgência
Levaram para o hospital;
Os mortos para o quartel
Por ordem policial,
Depois foram transportados
Mortuários organizados
No Sindicato Rural

Admirei Pedro Quitera
Que merece seus valores,
Moreno forte esguio
Um dos mais mergulhadores,
Gritou dizendo: Eu amarro!
Desceu, amarrou o carro
Sem ter mais competidores

O trator puxou o carro
Logo imediatamente,
Vieram duas criancinhas
Mortas até recentemente,
Porém faltou uma moça
Que na chocada com força
Jogou-se mais diferente

Eis os nomes dos que
Ouviram o chamado divino,
Morreu Severina Pinheiro
Sofia e Luiz Faustino,
E os dois recém nascidos
Morreram submergidos
Oh meus Deus, que desatino!

Também morreu tragicamente
Dona Josefa Pinheiro,
A jovem Maria de Fátima
Que ficou por derradeiro,
Submergida nas águas
Fez aumentar mais as mágoas
De cada um companheiro

Os familiares dos mortos
Se fizeram ali presentes,
Oh meu Jesus, que tristeza
Que hora insuficiente,
Ou que pranto dolorido
Todo povo, entristecido
Derramado pranto quente

Uns chamavam mamãe,
Outro chamava irmão,
Outro chamava papai,
Oh meu Deus, que aflição!
Que dor quente e dolorida!
Quem vê seu povo sem vida
Nas lousas frias do chão...

Choravam os familiares
Vendo seis mortos presentes,
E relembrando a mocinha
Que além de morta, ausente,
Pelas entranhas das águas
Aumentavam mais as mágoas
No coração desta gente

Choravam amigos, parentes
E qualquer criatura humana,
Sentindo a dor da tragédia
Ou morte fria e tirana,
Ou morte arrebatadora...
Por que és tão vingadora?
Tão traiçoeira e profana...

De todo lugar vizinho
Chegava gente à vontade,
Admirava-se o número
De gente pela cidade,
Tudo choroso e tristonho
Num pranto quente medonho
Olhando a fatalidade...

Pra todos os familiares
Foi um abalo profundo,
Igualmente funeral
Do dia do fim do mundo,
Dar lamentos e gemidos
Todo povo compungido
Tristonho e meditabundo...

Imitavam os navegantes
Quando se perdem do porto,
Uns desmaiavam chorando
Pelo pai que estava morto,
Outro por mamãe chorava
Ali também desmaiava,
Sem alento e sem conforto...

Mas foram bem atendidos
Pelo povo da cidade,
Prefeito e vereadores
Com forma de humanidade,
Com assistências especiais
À parte policiais,
Se esforçaram de verdade

Quase duas mil pessoas
Se acharam reunidas;
Olhando o drama funéreo
Todos bem entristecidos,
Muitos quase não resistem
Ver o quadro mais triste
Dos dias de suas vidas

No momento do enterro
Foi dolorosa a saída,
Do Sindicato Rural
Saíram seis mortos em seguida,
O choro, o pranto e a dor
Foi lamentável o clamor
Desta triste despedida

Um adeus ao seu pai,
Outro à sua mamãezinha!
Outro dizia chorando:
Morreu a minha irmãzinha!
Aquela reclamação
Doía no coração,
De todo o povo que ali tinha

Tinha gente neste povo
Que estava quase indecisa,
Se despedindo dos mortos
Com ar de choro e de riso,
Quase com sistema mudo
Se despedindo de tudo
Até o dia do Juízo

Vamos tratar um pouquinho
Da moça desaparecida,
Que com vinte e quatro horas
Por alguém foi percebida,
Das águas foi retirada
E foi logo sepultada
Por sua gente querida

Não há quem possa escrever
A dor, o pranto e o lamento;
O luto em Cerro Corá
Do tráfico acontecimento
Daria um grande volume
Apenas fiz resumo
Do que tinha conhecimento

Deus dê futuro aos vivos
Saudação a quem morreu
Triunfo às almas no céu
De quem aqui faleceu
Pois Jesus é o Jesus
E nós seremos felizes
Cumprindo o destino seu...

Escrevi este opúsculo
Traçados por minhas vezes,
Ninguém me autorizou
Peço desculpa aos fregueses,
A todos eu aconselho
Para desculpa o velho
J. Saldanha Menezes


 P.S - O acidente envolvendo Manoel "Mororó" Xavier, ocorreu nove dias antes da tragédia de Currais Novos, em que um ônibus desgovernado atropelou uma procissão, matando mais de 20 pessoas, em 1974 

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